abril 26, 2007

Costa de Caparica - "Terra mal amada"



A 7 de Dezembro de 2006 o estado é de alerta permanente. O cordão dunar a norte da Costa de Caparica corre o risco de rompimento. A segurança dos apoios de praia e do parque de campismo do INATEL fica comprometida. Uma intervenção de emergência evita o pior numa área que, por várias vezes, se tem visto fustigada pelo mar. O que provoca a erosão da Costa de Caparica?

“Terra mal amada”, é como António Neves, presidente da Junta de Freguesia, designa a Costa de Caparica. “As pessoas de Trás-os-Montes e da Beira Alta queixam-se da interioridade, eu queixo-me da proximidade. Se estivesse na Costa Alentejana ou a Costa de Caparica fosse no Algarve, se calhar tinha outro tratamento que não tem aqui”.
Apenas a 10 km do centro de Lisboa, as praias da Costa de Caparica contavam outrora com um extenso areal que, entre 1957 e 1963 recuaram 120 metros. A erosão da zona costeira é conhecida mas na Costa de Caparica ela tem sido acelerada. Afinal, o que aconteceu em Dezembro de 2006? “A questão que se coloca aqui já vem de há anos”, afirma o autarca. “Em determinada altura houve muito pouco cuidado na manutenção dos esporões, o que levou a que a sua eficácia fosse praticamente nula”.
Já em 2001 o mar atentou contra a integridade do cordão dunar destruindo vários apoios de praia, o que “coincidiu com o início dos estudos daquele troço de costa. Na altura estava-se a fazer o estudo prévio”, avança António Borges, técnico do Instituto da Água (INAG), desde Dezembro de 2006 a braços com o risco de rompimento do cordão dunar nas praias de S. João da Caparica. O estudo em questão, elaborado pela equipa do Professor Veloso Gomes, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), tem a ver com a frente costeira urbana da Costa de Caparica, aconselhando a recuperação dos esporões e a reconstrução da defesa aderente, numa obra a executar em duas fases. Porém o projecto, que ficou concluído em Dezembro de 2001, “só apareceu no terreno em Dezembro de 2004”, esclarece António Neves e, mesmo assim, apenas a primeira etapa da intervenção foi efectuada. “Imediatamente a seguir devia ter-se processado a segunda parte da obra, que era o preenchimento artificial de areias dos espaços que foram intervencionados, ou seja, até ao INATEL”. Essa alimentação artificial deveria ter sido feita com 3 milhões de m3 de areias de origem off-shore e dessa operação, de acordo com o estudo prévio e projecto base da FEUP, as dunas da praia de S. João viriam também a beneficiar. António Neves continua: “não foi feito, não sei porquê. Dizem-me que não havia dinheiro. A única certeza absoluta que eu tenho é que era aconselhável que, após o acabamento dos trabalhos da primeira fase, se passasse quase no imediato à segunda fase e não se passou”.
Contudo, para António Neves “é óbvio que não é só disto que resulta a invasão do mar. Resulta também e muito, para não dizer que é o principal responsável, do desaparecimento da restinga de areia que ali existia, entre a Cova do Vapor e o Bugio, que desapareceu na década de 60. No princípio da década de 60 já estava a ser reposta e desapareceu na década de 90. Na parte final da década de 90 voltou a desaparecer”. A restinga a que António Neves se refere é a Golada, um banco de areia sedimentado ao longo de centenas de anos entre a Trafaria e o farol de Bugio. “Hoje ainda existem pessoas que, quando eram crianças, na maré baixa, iam a pé, da Cova do Vapor e da própria Trafaria, até ao Bugio”, afirma o engenheiro António Rodrigues.

A importância da Golada

A ruptura da Golada teve início nos anos 40 do século XX, quando daí começaram a ser retiradas areias cujo destino foi, conforme António Rodrigues, “fundamentalmente fazer os cais de Lisboa, segundo rezam os documentos que temos”. Consequentemente as areias, que outrora limitavam a sua circulação entre as praias da Caparica e a restinga, adquirem um ponto de passagem que lhes permite a migração para norte. A livre circulação das areias leva a que estas se instalem no canal de navegação do Porto de Lisboa, obrigando a drenagens periódicas, ao mesmo tempo que originam a erosão costeira na Costa de Caparica.
Em 1964 o mar invade a então vila e é feita a primeira intervenção com a construção de um dique de protecção marginal e de nove esporões. Essa obra e a reposição natural de areias na Golada terá sustido o impulso do mar durante cerca de 30 anos mas, ainda pelas palavras de António Rodrigues: “mais tarde há notícias das quais eu não tenho confirmação de que, até 1998, também foram retiradas dali [da Golada] areias para fazer os aterros da Expo”. Já em 2001 o cordão dunar fica em risco de rompimento: “há uma coincidência entre 1998 e 2001. Estes fenómenos não são imediatos”. Quando ocorre o perigo de ruptura do cordão dunar, “houve a destruição dos bares, os quais estavam muito mais avançados em relação à linha de costa do que estão neste momento”, continua o engenheiro do INAG. Em 2003, nova ruptura, desta vez na obra de defesa aderente e finalmente, em 2006, de novo o risco de fractura do cordão dunar que originou uma operação de emergência, que continua a ser efectuada na tentativa de travar o ímpeto do mar. De caminho, a esplanada de um dos bares, “O Búzio”, também foi destruída, não sendo de fácil compreensão o motivo pelo qual esse e outro apoio de praia, “O Pé Nu”, se encontravam posicionados em local de perigo eminente. António Borges é peremptório ao afirmar que “o plano de ordenamento da zona costeira define exactamente quais são as zonas em que os bares têm de ficar: os bares têm de ficar atrás das dunas”. Da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT), organismo que licencia as concessões de apoios de praia, a Vega não conseguiu obter qualquer resposta, antes tendo sido remetida para o INAG.

Soluções sem fim à vista

Segundo a Lusa, Francisco Andrade, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ao falar numa conferência sobre erosão costeira e ordenamento do território organizada pelo Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), defendeu que “deixar o mar galgar as dunas da Costa de Caparica e retirar as populações das zonas de risco poderá ser a solução para o problema da erosão”. Para Carlos Costa, Presidente do GEOTA, a solução adoptada pelo INAG “é um paliativo que se fundamenta na confiança cega na ‘engenharia pesada’ que domina o imaginário técnico nacional, que sossega as consciências de políticos de todos os quadrantes e que dá muito dinheiro às empresas de construção”. Opinião diversa tem o engenheiro do INAG que afirma “é bom é que as pessoas que defendem essa solução façam contas. Quanto é que custa relocalizar uma cidade? Quantos milhões de Euros é que toda aquela zona da Costa de Caparica gera? É uma questão de custo/benefício.” Para António Borges a solução adoptada é a mais viável: repor a duna, numa determinada fase com areias retiradas de cabeços (zonas com de relevo em relação ao resto do fundo marítimo) existentes na própria praia e, posteriormente, numa intervenção que se espera para Março de 2007 e até ao início da época balnear, cerca de 500 a 600 mil m3 de areia provenientes das dragagens do canal de navegação da APL.
Já para o Presidente da Junta de Freguesia, a solução passa por uma obra de engenharia pesada, nomeadamente com o fecho da Golada. Quando inquirido sobre o tipo de intervenção que está a ser feita nas praias de S. João, ele responde “a obra que se está a fazer é uma obra de emergência, seguida de outra obra de emergência, com mais outra obra de emergência e com mais outra obra de emergência”. Acerca de quando se tornará a obra definitiva responde: “não sei. O senhor ministro é que deve saber. Ele é que preconizou pôr-se ali areia e que aquela zona de costa não se deve transformar em costa de pedra mas sim em costa de areia. As palavras são dele, não são minhas.”
É que a colocação de pedra na zona está para já fora de questão uma vez que, segundo afirmações do ministro do ambiente, Nunes Correia, ”a filosofia do Ministério do Ambiente (MA) é só colocar pedra onde ela já exista”, pretendendo assim manter as praias de S. João da Caparica sob a designação de “praias selvagens”, o que é confirmado por António Rodrigues quando afirma que “uma das grandes preocupações do MA é preservar aqueles mil metros de praia sem ser a praia artificializada”.
Porém, esta ideia de manter as “praias selvagens” é contrariada pela existência de um Plano Estratégico do Porto de Lisboa, em cujo relatório de síntese do Diagnóstico Prospectivo e Formulação de Opções de Desenvolvimento se pode entender o intuito de intensificar a actividade do Terminal da Trafaria “onde se movimentam 1,2 milhões de ton/ano [de granéis agro-alimentares] e se podem movimentar 4 ou 5 vezes mais, abrindo perspectivas para uma maior penetração na Estremadura Espanhola, o transhipment e outras utilizações industriais destes produtos”. Chega mesmo a haver uma proposta alternativa “de localização dum novo terminal de contentores da Trafaria, o qual poderá vir a ter uma extensão de 1000 m”, continuando: “Dadas as condições que poderão ser aqui criadas na implantação de um novo terminal de contentores, admite-se que possa vir a desempenhar um papel significativo na atracção de novos tráfegos para o Porto de Lisboa, nomeadamente no segmento de transhipment e no cruzamento de linhas de navegação transoceânica”.
Até ao fecho de edição da Vega, ainda decorrem as marés vivas e é difícil prever onde se irá deter o mar nas praias do norte da Costa de Caparica.

Vega Mar & Aventuras #26 Abril/Maio 2007

3 comentários:

Finazio disse...

Congratulations for your blog!

Anónimo disse...

Aqui deixo um aviso: num blog nao se escreve textos tao longos.
por mais bom que esteja é massador.
eu nao li!

Anónimo disse...

Caro "Anónimo" das 4:58, é natural que quem escreve "mais bom" e "massador" não goste de textos longos, mas ninguém o obriga.