novembro 08, 2009

Nós, Humoristas

Dá pelo nome artístico de Pantufa Negra mas só responde ao chamamento por Rita. Gata e preta, avisou no primeiro cartoon: “a minha tira cómica vai enriquecer-me! Terei tanta popularidade que grandes companhias irão bater-se por patrocinar o meu blog. Vou reformar-me antes dos quatro!” Tinha dois anos quando o escreveu. Entretanto, passaram quase três. Excepção feita a algum robustecimento desde a primeira tira, não se lhe conhecem sinais exteriores de riqueza. Falhou na idade da reforma mas quem não o falha, nos tempos que correm? Talvez não tenha grandes companhias em luta renhida para lhe patrocinarem o blog mas rapidamente passou da individualidade do seu simples T0 cibernético, situado num enorme (con)domínio blogspot, para uma suite cedida pelo Expresso online ,no seu servidor. A popularidade, essa já cresceu ao ponto de ser convidada sair dos monitores para a edição em papel do semanário. De simples gata doméstica para a ribalta do caderno de economia do Expresso, poder-se-ia dizer.
Luís Faustino é o dono e manager de Rita, autor da Pantufa Negra e das coisas que “até uma gata preta percebe”. Formado em Engenharia Electrotécnica, foi sempre muito mais dedicado a outras áreas Fotógrafo freelance, afirma que fotografa tudo, “até a relva a crescer”. Terá sido eventualmente nessa ferocidade do disparo que apanhou a felina pelo caminho: vulgar mas expressiva, o arquétipo de todos os gatos. Foi a conjugação perfeita para quem “queria fazer uma certa crítica e sátira”. Tentou transformar a gata em desenho, porém, os conhecimentos técnicos eram escassos. “Em vez de caçar com cão, cacei com gata”. O que também podemos ler como: foi à caça da gata. A 2 de Fevereiro de 2007 é lançada na rede a tira zero da Pantufa Negra. A intenção é fazer uma tira diária, “uma crónica de costumes”. Faustino procurou a melhor forma de a lhe dar voz e expressividade. Como fonte de inesgotável inspiração, os noticiários que “são o melhor programa de humor de toda a televisão”. Mais do que isso, apenas ao espaço noticioso concede total assiduidade como telespectador: “acho piada aos golpes palacianos dos políticos”. Senhor de um humor cáustico, de si próprio diz ter dificuldade em ser entendido sem ironia. “Se digo que gosto de uma coisa, as pessoas pensam que estou a gozar”.
As regras apreendidas reforçam a qualidade da pantufada dada pela gata, que se mantém atenta à actualidade, que diz o inusitado, dificilmente transponível para as linhas corridas da prosa. A expressividade física aliada às frases curtas, calculadas e improváveis levam-nos a um nível de humor cáustico, mordente, muito diferente do que Portugal conhecia por safra sua. Luís Faustino faz por isso: “quero evitar a piada fácil, o que já está feito, mesmo que saiba que pode resultar”. Não poupa a portugalidade, o europeísmo, o deslize deste ou daquele colunável. O idiotismo não passa em branco pelo cérebro de Pantufa, gata moderna e informada, que mete conversa com a televisão, os jornais, o portátil, e boceja finalmente uma opinião. Quando a convidaram a arejar semanalmente, na edição em papel do Expresso, foi porque alguém notou os dotes específicos da felina em matéria de economia. Instalaram-na então comodamente no caderno próprio. Contudo, Faustino sentiu necessidade de fazer qualquer coisa de diferente para a versão em papel. Pantufa Negra evolui a caminho do estrelato e “apresenta: conversas com as criaturas”. O nonsense mantém-se, resistente. É ele que nos faz rir. É a ausência de sentido que levamos connosco na memória do enroscanço de uma gata que se deitou sobre uma opinião final. É a dela. Podia ser a nossa, se fossemos mais inventivos. É, seguramente, aquele nosso lado irónico, que combate o nacional-cinzentismo.
Quando aprimorar a técnica do traço, Luís investirá com maior empenho noutro projecto em que se envolveu e que “pretende ser mais venenoso”, a Batata Frita Digital. Por agora, um homem, uma gata, uma máquina fotográfica, um caderno do Rato Mickey e um computador. Já merecíamos um cartoon assim.
Nós #27 de 07 de Novembro 2009

1 comentário:

Paulo Lopes disse...

Parece-me uma combinação explosiva essa mistura referida de um homem, uma gata (ainda por cima preta), uma máquina fotográfica, um caderno do Rato Mickey e um computador. Vou procurar essa pandilha e ver o que andam a tramar, em especial a gata preta, pela descrição pode bem ser a minha Bia que me fugiu há uns anos atrás numa noite de verão, sempre achei que tinha ido atrás de um fotógrafo desses que andam sempre com um livro aos quadradinhos no bolso de trás e fotografam tudo... Até o barulho da areia que viaja no vento.

PL