janeiro 14, 2007

Sapalsado: a casa das ostras


A Sapalsado acreditou ser possível o desenvolvimento da ostra nas próprias águas do rio. Apostou e o desafio parece estar ganho. O Sado volta a ser conhecido em França, pela sua ostraNo horizonte erguem-se as chaminés das fábricas responsáveis pela maior parte da poluição do estuário do Sado.

Para quem olha, do alto de Faralhão, ali às portas de Setúbal, são salinas que parece ver. Estranha-se talvez a largura exagerada dos passadiços ou os engenhos colocados dentro dos tanques, mas apenas isso. A paisagem em nada foi alterada e a passarada vai andando por ali de acordo com os seus hábitos e épocas do ano. Sem qualquer placa sinalizadora ou forma delimitada, é numa zona de antigas salinas que a Sapalsado, uma empresa dedicada à aquicultura, se inscreve. É neste local, onde a paisagem protegida se alia à exploração das potencialidades produtivas do rio, que os sócios da Tambpiscicultura, Reinaldo Mendonça e António Leal, resolveram fazer uma nova aposta: a recuperação da ostra do Sado.
No contexto histórico a apanha da ostra no estuário do Sado sempre se revestiu de alguma importância, reflectindo-se na economia da região. Em França, principal destino do molusco, a ostra sadina era muito conceituada. A procura era grande e os naturais faziam os possíveis por a satisfazer. Famílias inteiras dedicavam-se à actividade, chegando mesmo a vir gente de fora. Os proventos eram consideráveis e a própria aldeia de Faralhão, onde se situa a Sapalsado, cresceu assente nos lucros da apanha do bivalve. Porém, diz António Leal, “as indústrias vieram, destruíram tudo e nunca mais houve ostra”. No estuário do Sado, só passados 30 anos após o seu desaparecimento a ostra regressa de forma tímida, longe da quantidade de outrora e com uma forma de crescimento que denota a capacidade de defesa do ser vivo: “para se proteger da poluição das águas, a ostra cria casca, em vez de desenvolver o músculo”, informa Reinaldo Mendonça.
Experiente e profundamente conhecedor das coisas do mar, Reinaldo Mendonça acreditou que nas águas dos viveiros da Sapalsado, onde já cresciam robalos, douradas, corvinas e linguados de qualidade superior, poderiam também criar-se com sucesso as ostras do Sado. Fundamentava a sua opinião nos resultados das análises às águas, que a empresa sempre teve o cuidado de mandar fazer. “A qualidade da água que sai dos nossos viveiros é superior à que entra no primeiro tanque”, diz. E os papéis estão lá, para o comprovar. A percentagem de metais pesados existentes na água dos tanques é inferior à permitida por lei.
Decidiram-se então por uma primeira experiência, feita com matéria-prima do próprio estuário. As ostras eram apanhadas no Sado e criadas nos tanques da piscicultura. O resultado, atestado por uma equipa da Faculdade de Ciência e Tecnologia (FCT), da Universidade Nova de Lisboa (UNL), foi positivo. Os bivalves desenvolviam-se com muito menos casca nas águas sistematicamente oxigenadas e naturalmente despoluídas da Sapalsado. Obviamente, também a qualidade do músculo, comestível, era superior. Motivados pelo sucesso, os dois sócios apostaram noutra experiência: adquirir ostras a uma maternidade francesa para as deixar crescer nos seus tanques. Em 2003, foram 50.000 as ostras-bebés, com um milímetro de tamanho, que foram mergulhadas nas águas da Sapalsado. O entusiasmo da altura adivinha-se nas palavras de Leal: “passados 30 dias, elas mediam um centímetro, e algumas mais”. Observaram então que em oito meses os moluscos atingiam o tamanho comercial óptimo, com cerca de 7 centímetros e 80 a 110 gramas, acima do qual perdiam valor. Nos viveiros franceses, as mesmas medidas demoram dois anos a serem alcançadas. Se, como diz Reinaldo Mendonça “não se consegue obrigar a ostra a comer”, a quantidade de nutrientes das águas e a sua temperatura influem nesta aceleração do tempo de crescimento. Por outro lado, quando sujeitas a análises, verificou-se que em algumas ostras o peso do músculo ultrapassava o da casca, situação rara num bivalve. A qualidade também estava acima de quaisquer dúvidas, ultrapassando todas as expectativas: os coliformes fecais detectados estavam abaixo do limite mínimo detectado pela análise. “Analisadas antes da depuração, as nossas ostras têm a mesma qualidade que as do estuário depois de depuradas”, declara Reinaldo Mendonça apontando os resultados dos estudos a umas e a outras. Contudo, apenas pela observação da cor do músculo de cada uma delas, permitimo-nos afirmar que a capturada directamente no estuário, mesmo após limpeza, convida muito menos à sua ingestão.
Testes e análises feitos, era altura de efectuar uma última prova, a do consumidor. A quantidade resultante da primeira produção de ostras foi quase totalmente utilizada na divulgação do produto, em Portugal e em França. Se em Portugal o hábito de comer ostra ainda não se instalou e o êxito ficou mais ou menos confinado aos convivas dos eventos em que a Sapalsado participou, em França, um dos países com maior consumo de ostra e mais exigências a nível da sua qualidade, o impacto foi positivo. Em 2003, a empresa exportou para este país 5 toneladas de bivalve, valor que quintuplicou no ano seguinte. Definitivamente, a aposta estava ganha e a outrora famosa “huître du Sado” voltava a ocupar o seu lugar à mesa dos franceses.
Porém, não se pense que tudo são apostas ganhas na Sapalsado. Situada dentro da Reserva Natural do Estuário do Sado (RNES), são grandes os problemas com que se debatem, provocados pelo atrito com o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) e com a própria RNES. O acesso à energia eléctrica é um deles. Apesar de, ao longo dos 14 hectares que constituem a propriedade, os olhos tropeçarem sistematicamente nos postes de alta tensão provenientes da central eléctrica de Mitrena, até Maio de 2006 a empresa estava impedida de levar a cabo um projecto subterrâneo de distribuição eléctrica. A energia consumida pela Sapalsado é fornecida por dois geradores alimentados por combustível fóssil o que, como afirma António Leal, “sai mais caro e mais poluente.” Diz o empresário: “Estamos a queimar à volta de 5000 litros de gasóleo por mês e, além disso, no caso de necessitarmos de arejar apenas uma parte do viveiro, temos de ligar tudo.” Contudo, os dois sócios não perderam a esperança de verem aprovado o seu projecto de fornecimento de energia eléctrica à piscicultura. Ainda nas palavras de Leal, “penso que agora há ideia de nos autorizarem”.
Outra situação prende-se com o facto de a empresa estar também impedida de construir uma casa destinada ao armazenamento de rações, à verificação veterinária, ao embalamento do peixe e das ostras e, no caso destas últimas, à sua depuração. Se podemos concordar que a edificação na zona poderá ter um impacto ambiental menos positivo se não cumprir regras, o facto é que a solução entretanto encontrada, e aceite pela RNES, apesar de facilmente movível, traz à zona um aspecto degradado. Ao lado da construção que abriga os dois geradores ficam os contentores onde são guardadas as rações e, no seu seguimento, umas precárias traves sustentam uma rede verde, que pretende abrigar o local de pesagem.
Aliando a falta de energia eléctrica à ausência de instalações capazes, todo o esforço que os dois sócios estão a efectuar para valorizar a ostra do Sado pode ficar comprometido. Impossibilitada de ter os seus meios próprios, a Sapalsado tem de recorrer a uma empresa externa, a Barrosinhos, para depuração e embalamento dos seus bivalves. Apesar de modernamente apetrechada, e de não ser questionado o desempenho desta unidade, a realidade é que o selo de certificação que acompanha as ostras é geral para todos os produtos embalados na empresa. Por si só, o facto não constituiria problema de maior se do mesmo local, e com o mesmo selo, não saíssem também ostras criadas no Sado, de qualidade inferior às produzidas pela Sapalsado, mas facilmente confundíveis pela etiqueta que apresentam. Entretanto, apesar de todos os problemas, e sempre apostada na qualidade, a empresa tem como objectivo aumentar o valor das exportações, que pretendem que ascenda às 50 toneladas, além da vontade de pôr Portugal a comer ostras. No imediato, em território nacional, já há clientes a receberem, por mês, uma média de 350 quilos do bivalve.
Acreditando nas potencialidades da aquicultura e da zona onde se inserem, os dois sócios gostariam de ver autorizados para exploração mais alguns hectares das marinhas abandonadas do estuário do Sado. Como diz António Leal, “se estão abandonadas, elas já foram construídas, já foram mexidas pelo homem e o impacto paisagístico, a existir, será mínimo”. Se pensarmos em termos da melhoria da qualidade da água, e tendo como ponto de partida os resultados das análises feitas em relação à Sapalsado, o estuário só teria a ganhar. Contas feitas pelos dois sócios, a exploração de 5% dos 23.500 hectares da zona protegida, seriam suficientes para criar cerca de 600 postos de trabalho directos, que seriam importantes numa região depauperada como é a de Setúbal.

Ciclo de produção da ostra

Importada de maternidades francesas, a ostra é colocada ainda bebé em sacos de rede de acordo com os seus tamanhos. É dentro destes sacos espalmados, assentes sobre estrados metálicos que pousam no fundo dos tanques, que os bivalves se desenvolvem. Ciclicamente, todos os sacos têm de ser retirados, os moluscos, que entretanto se uniram, cuidadosamente separadas por forma a que a sua casca não fique ferida e a quantidade que anteriormente ocupara um único saco passa a dividir-se por três, de perfuração maior, com capacidade para permitir o crescimento da ostra. Esta operação é executada várias vezes ao longo dos oito meses que o bivalve demora a atingir a medida comercial. Nessa altura, e de acordo com as encomendas existentes, duas vezes por semana a ostra é recolhida do viveiro, levada para a depuração durante 24 horas e embalada. Caixas com 5 quilos da iguaria ficam então prontas para a distribuição. Na região de Setúbal, o próprio Reinaldo Mendonça faz a entrega em mão. Fora dessa área, as ostras são confiadas a uma empresa de distribuição que assegura o transporte em boas condições e prazos compatíveis com o grau de exigência do produto e dos seus clientes, entre os quais se contam o Tavares Rico e a Travessa, em Lisboa ou a Champanheria e a Pousada de São Filipe, em Setúbal.


Vega Mar & Aventuras #23 Outubro/Novembro 2006

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns pela vossa edeia maravilhosa de ter criado a vossa empresa, são seres humanos como voçês, que fazem falta a este País, mesmo com todas as dificuldades que alguém impõe.Ainda me lembro da Empresa que havia, na zona da Caldeira em Tróia,mas já estava quási acabada,mas ainda comi algumas ostras,muito saborosas por sinal, agora vou entrar noutro assunto de comércio,eu queria começar a vender as vossas Ostras,para restaurantes e afins, mas queria que me informassem como farei,e o custo de cada caixa. O meu muito obrigado pela vossa atenção,espero resposta vossa. Cumprimentos.