agosto 31, 2006

espadartes ao largo



Para o visitante comum, Sesimbra são os acessos íngremes, a marginal, as traineiras e pequenos barquitos a remos, as gaivotas que indiciam o barco que regressa carregado com peixe, o cheiro do pescado misturado com o da maresia. Para os seus naturais e para os amantes da pesca desportiva a vila é bem mais do que isso.

Nessa noite ainda só cheirava a mar. O peixe chegaria mais tarde, pelas mãos daqueles homens que caminhavam ao longo da marginal em direcção às embarcações ancoradas no porto de abrigo. No escuro sobressaíam as luzes onde alguns pescadores se dirigiam para tomar o café antes de se fazerem ao mar.
Era o último dia do quinto Torneio José Pinto Braz, onde apenas é aceite a chamada “pesca grossa”, efectuada com cana e carreto, bem à maneira das tradições sesimbrenses.
Para o “Andalucia”, uma das embarcações concorrentes, foram transportados os bidões e as caixas com o isco fresco. A bordo, além dos quatro elementos da equipa, seguiam o Mestre Marcelino, para conduzir a aiola, e a organizadora do torneio, Geny Braz. A intenção era assistir ao nascer do sol no ponto anteriormente escolhido para lançar as linhas. No moderno sistema GPS visionava-se a rota, pelo rádio eram trocadas coordenadas com os outros barcos participantes.
Sacudido pelo cortar das pequenas vagas, o tema da conversa prendia-se necessariamente com a história do homem que dá o nome a este torneio e que está intimamente ligada ao historial turístico e piscatório de Sesimbra - José Pinto Braz.
Recordado como um homem dinâmico e de espírito empreendedor, José Braz foi durante muitos anos organizador de encontros de pesca desportiva em alto mar.
À altura, várias aiolas, pequenas embarcações que tinham como tripulantes apenas um remador e um pescador, faziam-se ao mar. A partir de uma traineira, o organizador comunicava com os participantes através de intercomunicadores, prestando-lhes a assistência necessária. No regresso aguardava-os o conforto, pouco comum à data, do Hotel Espadarte e restaurante com o mesmo nome, unidades hoteleiras também geridas por José Braz.
A eficiência deste homem nas organizações a que se propunha valeu-lhe o reconhecimento, traduzido na adesão de pescadores amadores portugueses e estrangeiros.
Em simultâneo, e na época baixa, “o vistas largas”, como era conhecido na vila, transportava Sesimbra à Europa, divulgando a sua terra natal e as organizações dele dependentes. De tal forma que, em 1975, a Direcção Regional de Turismo da Madeira convidou-o a desenvolver um projecto similar na região.
Desiludido pelo facto de não ver aprovado o seu propósito de ampliação do Hotel Espadarte, José Braz decide aceitar o desafio levando consigo a sua filha, Geny Braz, cujas potencialidades aproveitou ao inseri-la no mundo empresarial.
Contudo, a sua alma manteve-se sesimbrense e muitos, na sua terra e fora dela, também não o esqueceram. Por isso, talvez herdando a tenacidade de seu pai, Eugénia Maria Braz, com algum apoio do Clube Naval de Sesimbra e da Câmara Municipal, decidiu homenagear o homem que levou Portugal até à Finlândia e trouxe a Europa até Sesimbra. Para o fazer nada mais apropriado do que a organização de um torneio com as mesmas características dos organizados por José Braz.
Hoje as aiolas são em menor número, os remadores mais difíceis de encontrar mas, em maior ou menor quantidade, elas continuam a acompanhar as equipas, cujos elementos se revezam na aiola, à qual se prendem, a si e à cana, através de um arnês. Depois é esperar o toque do espadarte, a quem são oferecidos os iscos favoritos: chaputa, lula, sardinha.
Porém, este ano, nem todo o engodo deitado ao mar chamou a pescaria. Falou-se em “toques” à linha e em duas das embarcações pescaram-se peixes de sete e catorze quilos, que foram devolvidos ao mar. Esta é outras características deste torneio: exemplares com menos de vinte quilos continuam livres para percorrer o oceano, até porque aquilo que se pretende, além de recordar um nome, é recuperar a velha tradição em que os mares de Sesimbra davam ao homem a oportunidade de se debater com exemplares com mais de 100 quilos de peso, como aconteceu em 1958 quando Sesimbra alcançou dois recordes - da Europa e do Atlântico Norte, o maior espadarte e a captura de dois espadartes no mesmo dia, respectivamente com 259,5 Kg e 144,5 Kg, pescados pelo mesmo homem, Augusto Vilas Boas. Talvez no sexto torneio José Pinto Braz.
Magazine Domingo - 10.10.2004

Sem comentários: